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Da separação do contrato de corretagem na compra e venda de imóveis sob o regime da incorporação imobiliária.

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    Tiago Andrade
  • 27 de set. de 2024
  • 19 min de leitura
contrato de corretagem

Resumo:

O artigo tem por finalidade analisar a situação da comissão de corretagem nas aquisições de imóvel na planta sob a perspectiva do direito imobiliário e o regime da incorporação imobiliária. Inicialmente é enfrentado o correto posicionamento da corretagem como contrato de intermediação e seus reflexos no mercado imobiliário. Em sequência é explorado o panorama inicial de insegurança jurídica que permeava a comissão de corretagem no regime de incorporação e a consolidação da jurisprudência com o Tema 938 do Superior Tribunal de Justiça. Também é apresentado o problema de inserir o pagamento da corretagem imobiliária no bojo da promessa de compra e venda. Por fim, concluímos pela necessidade de o contrato atender aos limites impostos pelo art. 35-A, III, da Lei 13.786/2018 interpretado conjuntamente com o precedente vinculante.

Palavras-chaves: corretagem; incorporações; contratos; distrato.


  1. INTRODUÇÃO

 

A corretagem imobiliária desempenha um papel fundamental no mercado de compra, venda, locação e permuta de imóveis, executando a função de intermediação entre os compradores e vendedores. A atividade do corretor de imóveis é essencial para garantir a eficiência e segurança nas transações imobiliárias, agregando valor ao mercado como um todo.

 

A compra e venda de imóvel é um processo complexo e envolve diversos aspectos jurídicos, financeiros e técnicos. Nesse contexto, o corretor imobiliário surge como um profissional qualificado e especializado, capacitado para orientar e assessorar as partes envolvidas na negociação.

 

Desse modo, o corretor deve atuar como um intermediador imparcial entre as partes envolvidas, buscando encontrar um ponto de equilíbrio que satisfaça tanto o comprador quanto o vendedor.

 

Por conseguinte, neste artigo iremos analisar a questão da corretagem sob o prisma do direito imobiliário e sua adequação a realidade jurídica e mercadológica da incorporação imobiliária.

 

2. O CONCEITO DE CORRETAGEM

 

No Código Civil Brasileiro o conceito de corretagem é estabelecido no art. 722, que define e estabelece as características e elementos desse tipo de contrato. Inicialmente, é importante diferenciar a corretagem do contrato de mediação, uma vez que cada um possui natureza jurídica e finalidades distintas.

 

O contrato de corretagem, conforme disposto no supracitado artigo, é aquele em que uma pessoa, denominada corretor, assume o compromisso de intermediar um ou mais negócios, sem subordinação e vínculo de mandato, nos termos das instruções recebidas. No direito imobiliário essa intermediação ocorre em transações relacionadas à compra, venda, locação ou permuta de imóveis.

 

Dessa forma, o corretor de imóveis deve atuar como um intermediário imparcial entre o comprador e vendedor, buscando aproximar as partes interessadas e viabilizar a conclusão do negócio. O corretor não possui poderes de representação e sua função é buscar o resultado útil da negociação, fornecer informações e dar segurança jurídica aos contratantes.

 

O contrato de corretagem possui dois principais requisitos:

 

a)    Inexistência de um vínculo jurídico anterior de subordinação (mandato, prestação de serviços ou por qualquer relação de dependência); e b)  compromisso assumido de tentar buscar a conclusão de um negócio em benefício de uma pessoa.

 

SÍLVIO DE SALVO VENOSA[1], apresenta a diferença entre corretagem e mediação: “Modernamente, a mediação apresenta, a nosso ver, conteúdo maior do que a corretagem, tanto que pode ser considerado instituto mais amplo, pois pode ocorrer mediação em outros institutos jurídicos sem que exista corretagem. Daí porque não se pode afirmar que exista perfeita sinonímia nos termos mediação e corretagem”.

 

ARAKEN DE ASSIS[2], também discorre sobre a questão: “Parece existir alguma contradição, pois, se há obrigação, então existe vínculo prévio entre os participantes da corretagem: de um lado, o comitente; de outro, o corretor. Entenda-se bem o sentido da regra: obrigando-se alguém a envidar esforços em prol de determinado resultado, há intermediação, e não, mediação. Enquanto na mediação inexiste qualquer vínculo entre os figurantes do futuro negócio e o mediador, na corretagem, há vínculo específico – o corretor, ou intermediário, recebe a incumbência de obter “um ou mais negócios” para outra pessoa.

 

Portanto, o corretor jamais poderá ser um representante do vendedor, ainda que receba instruções e repasse declarações aos interessados, este tem o dever de prestar os esclarecimentos e garantir a segurança jurídica do negócio almejado sob pena de responder civilmente pelos danos, nos termos do parágrafo único do art. 723 do Código Civil:

 

Art. 723.  O corretor é obrigado a executar a mediação com diligência e prudência, e a prestar ao cliente, espontaneamente, todas as informações sobre o andamento do negócio.

 

Parágrafo único.  Sob pena de responder por perdas e danos, o corretor prestará ao cliente todos os esclarecimentos acerca da segurança ou do risco do negócio, das alterações de valores e de outros fatores que possam influir nos resultados da incumbência.

 

À vista disso, não é possível reconhecer que o corretor seja submetido a um vínculo de subordinação, de modo a atuar como representante de uma das partes e atuar em defesa dos seus interesses, pois estar-se-ia desvirtuando a essência da corretagem.

 

3. CARACTERÍSTICAS DO CONTRATO DE CORRETAGEM

 

As principais características do contrato de corretagem são a tipicidade, consensualidade, onerosidade, bilateralidade e aleatoriedade.

 

Tipicidade: O contrato de corretagem é considerado um contrato típico, ou seja, possui regulamentação legal específica. No Brasil, as disposições referentes à corretagem estão previstas no Código Civil, nos artigos 722 a 729. A tipicidade confere ao contrato de corretagem características e requisitos próprios, que devem ser observados pelas partes envolvidas.

 

Consensualidade: O contrato de corretagem é consensual, sua validade e eficácia dependem apenas do acordo de vontades entre as partes. Não há necessidade de formalidades específicas para a sua celebração, sendo suficiente o ajuste de vontade quanto aos termos e condições do contrato.

 

Onerosidade: O contrato de corretagem é um contrato oneroso, envolve uma contraprestação financeira para o corretor de imóveis pelos seus serviços de intermediação. Esse pagamento é denominado como comissão de corretagem e representa a remuneração devida ao corretor em função do resultado útil na conclusão do negócio.

 

Bilateralidade: O contrato de corretagem é bilateral visto que gera obrigações e direitos para as partes envolvidas. O corretor assume a obrigação de empenhar esforços na busca de um ou mais negócios, enquanto o comitente, seja comprador ou vendedor, tem a obrigação de pagar a comissão de corretagem devida.

 

Sobre a bilateralidade ANTONIO CARLOS MATHIAS COLTRO[3] descreve:

 

A bilateralidade provém do fato de envolver obrigações para ambos os contratantes. Assim, enquanto o corretor se obriga a obter a aproximação de terceiro, como vista na realização do negócio (resultado útil), o comitente tem por dever pagar a comissão a tal correspondente.

 

Aleatoriedade: O contrato de corretagem é considerado aleatório. Isso significa que as vantagens e os riscos decorrentes do contrato não são previamente determinados e dependem de eventos futuros e incertos. A remuneração do corretor está diretamente vinculada ao resultado útil da negociação e este assume integralmente o risco de não atingir o mesmo, ainda que depreenda todos os esforços neste sentido.

 

Nesse sentido, ensina ANTONIO CARLOS MATHIAS COLTRO[4] que “é aleatório o contrato, porque o corretor depende da sorte de seu trabalho para ter direito ao recebimento da corretagem, aí estando o risco da atividade”.

 

Sobre as características do contrato leciona SÍLVIO DE SALVO VENOSA[5]:

 

Cuida-se, portanto de contrato bilateral, acessório, consensual, oneroso e aleatório. Bilateral, porque dele emergem obrigações para ambas as partes, embora possa também onerar apenas uma delas. Acessório, porque serve de instrumento para conclusão de outro negócio. Trata-se de contrato preparatório. Pressupõe universo negocial amplo. O desenvolvimento do comércio criou a necessidade de intermediários. Consensual, porque depende unicamente do consentimento, sem outro procedimento. A regra geral é não depender de forma, podendo ser verbal ou escrito. Pode concretizar-se por cartas, telefonemas, mensagens informáticas etc.

[...]

Trata-se de contrato oneroso, porque pressupõe eventual remuneração do corretor. Aleatório, porque depende de acontecimento falível para que essa remuneração seja exigível, qual seja, a concretização do negócio principal. Fica, portanto, subordinado ao implemento de condição suspensiva. O corretor suporta o risco do não implemento dessa condição.

 

Com efeito, considerando as características delineadas é possível afirmar que qualquer modalidade de contrato admite a corretagem, não sendo instituto restrito ao mercado de imóveis. Por outro lado, não é possível entender como exigível a intermediação de negócios que envolvam objetos ilícitos tendo em vista a antijuricidade da conduta.

 

4. O RESULTADO ÚTIL E O DIREITO A CORRETAGEM

 

O corretor só fará jus a sua remuneração “uma vez que tenha conseguido o resultado previsto no contrato de mediação (art. 725 CC)”. Embora o Código Civil se utilize do termo “mediação”, como já explicado, se trata de verdadeira intermediação.

 

Portanto, o resultado previsto será a conclusão de “um ou mais negócios” para a pessoa a quem se obrigou.

 

A jurisprudência nacional, encampada pelo Superior Tribunal de Justiça, adota a terminologia “resultado útil” para identificar o cumprimento do requisito do art. 725 do Código Civil, que consiste na conclusão do “resultado previsto” dando origem ao direito de receber a contraprestação devida.

 

Desse modo, não atingido o resultado útil inexistirá qualquer pretensão do corretor de imóveis em receber proveito econômico do trabalho exercido, ou seja, sua profissão é de risco já que se compromete com a entrega do resultado.

 

O Superior Tribunal de Justiça fixou os seguintes critérios para afastar a obrigação do pagamento da corretagem imobiliária:

 

a)    a simples aproximação das partes, sem resultado útil, não autoriza o pagamento da corretagem [6];

 

b)    se houver desistência em tempo hábil (antes da assinatura do contrato), também não será devido o pagamento[7].

 

Portanto, as tratativas iniciais, propostas e contra propostas, ameaças de conclusão, fixação de preço, prazo, exigência de condições e cumprimento de requisitos são atos inerentes ao jogo imobiliário, não se revelando como suficientes para atingir o efeito terminativo da negociação. Não obtido o resultado útil o corretor de imóveis não tem direito ao recebimento da corretagem imobiliária.

 

Considerando que os “floreios iniciais” não suprem a condição necessária de conclusão do negócio surge a tormentosa dificuldade de se conceituar o que é “resultado útil”.

 

Ressalte-se que, existem situações excepcionais que este só será atingido após a ocorrência de alguma formalidade exigida por lei, a exemplo da compra e venda por incapazes, que pressupõe a autorização do juiz com a participação obrigatória do Ministério Público, melhor dizendo, sem isso o resultado útil não será atingido visto que o negócio será nulo (art. 166, I, do CC).

 

Logo, é comum se utilizar a celebração do contrato como o termo final das vontades. Ainda que tal critério seja suficiente para solucionar parte expressiva dos litígios, não podemos esquecer que o nosso ordenamento jurídico autoriza a contratação verbal. É plenamente possível se atingir um resultado útil ainda que este não tenha sido materializado em um pacto escrito (promessa ou compromisso de compra e venda), desde que haja consenso entre preço e objeto.

 

Possível se cogitar que só seria possível visualizar o resultado útil após a lavratura da escritura pública, título hábil a transferência da propriedade nos termos do art. 1245. Embora defensável o argumento, este cercearia a possibilidade de recebimento das comissões por número expressivo de corretores haja vista parte significativa das compras e vendas no país se resolverem apenas no ajuste particular de vontades (promessa ou compromisso).

                                               

Ademais, não é possível afirmar a inexistência de resultado útil, pois na situação narrada o vendedor receberá o preço e o comprador receberá a posse da coisa, cabendo a este promover a materialização do negócio perante o cartório de imóveis. Ainda, nas vendas mediante parcelamento ficaria o corretor sujeito ao implemento integral da quitação do preço e assumiria o risco de não recebimento do pagamento ante o inadimplemento contratual, ainda que parcial, do comprador.

 

Portanto, o risco do intermediador é restrito ao êxito da aproximação, de modo que não pode o direito a corretagem ser condicionado ao adimplemento das obrigações contratuais entre as partes interessadas.

 

5. O CORRETOR DE IMÓVEIS E O DEVER DE DILIGÊNCIA

 

A profissão de corretor de imóveis é regulamentada pela Lei n. 6.530/1978 que disciplina o funcionamento da atividade e a regulação pelo órgão competente (CRECI). O requisito para exercer legalmente a corretagem imobiliária é previsto no art. 2º da Lei:

 

Art. 2º O exercício da profissão de Corretor de Imóveis será permitido ao possuidor de título de Técnico em Transações Imobiliárias.

 

A atribuição da corretagem de imóveis consta no art. 3º da mesma norma:

 

Art. 3º Compete ao Corretor de Imóveis exercer a intermediação na compra, venda, permuta e locação de imóveis, podendo, ainda, opinar quanto à comercialização imobiliária.

 

Portanto, a pessoa portadora do título de técnico em transações imobiliárias deverá requerer a sua inscrição no Conselho Regional de Corretores de Imóveis da sua base territorial de atuação para que possa exercer a atividade de corretagem de imóveis. Importante lembrar que a profissão possui outra norma de regência, o Decreto n. 81.871/1978 que tem por finalidade regulamentar as disposições da Lei n. 6.530/1978.

 

Este Decreto irá tutelar, por exemplo, a situação do exercício simultâneo da profissão de corretor de imóveis em diversas bases territoriais, com jurisdição de Conselhos Regionais distintos:

 

Art. 30. O exercício simultâneo, temporário ou definitivo da profissão em área de jurisdição diversa da do Conselho Regional onde foi efetuada a inscrição originária do Corretor de Imóveis ou da pessoa jurídica, fica condicionado à inscrição e averbação profissional nos Conselhos Regionais que jurisdicionam as áreas em que exercerem as atividades.

 

Por sua vez, é obrigação do corretor orientar as partes e fornecer as informações necessárias para conduzir o negócio com transparência e boa-fé tendo em vista sua negligência acarretar o não recebimento da comissão ou até mesmo a responsabilidade civil por pernas e danos.

 

O problema mais comum é a retenção ou omissão dolosa de informação que se fosse levada a conhecimento do comprador colocaria em risco o resultado útil do negócio. A prática além de violar o princípio da boa-fé pode acarretar a anulação do negócio jurídico por erro ou dolo, previstos nos arts. 138 e 145 do Código Civil.

 

À vista disso, o corretor de imóveis deve apresentar todas as informações inerentes ao negócio, ao bem e as partes. Também, deve sempre seguir com prudência e verificar a conformidade do imóvel com a legislação, sendo essencial realizar uma auditoria de regularidade antes de iniciar a oferta do produto (Due Diligence Imobiliária).

 

No que se refere ao mercado imobiliário, é fato notório que a corretagem de imóveis demanda expertise do profissional em temas jurídicos, mercadológicos e financeiros, sob pena do profissional ficar defasado frente a concorrência altamente especializada.

 

6. A CORRETAGEM NA INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA

 

MELHIM NAMEM CHALHUB[8] ensina que “Incorporação Imobiliária é atividade empresarial que visa a produção e a comercialização de unidades imobiliárias em edificações coletivas”.

 

A corretagem desempenha um papel relevante na incorporação imobiliária, caracterizada por ser um processo complexo que envolve a construção e venda de unidades imobiliárias na planta. Nesse contexto, a figura do corretor de imóveis desempenha um papel fundamental na intermediação entre o incorporador e os compradores interessados.

 

A incorporação imobiliária consiste na atividade de venda unidades autônomas futuras, ou seja, o incorporador tem possibilidade de financiar a construção do empreendimento por meio da alienação das unidades sem que exista qualquer edificação, bastando para tanto o registro do memorial de incorporação na matrícula do terreno.

 

A Lei n. 4.591/1964 é o principal marco regulatório da atividade no Brasil, disciplina a incorporação imobiliária, estabelecendo as obrigações e responsabilidades das partes envolvidas, inclusive a atuação, ainda que com diminuta tutela normativa, dos corretores na intermediação de imóveis na planta.

 

Na incorporação imobiliária, o corretor atua como intermediário entre a incorporadora e os compradores potenciais. Suas atribuições incluem a divulgação do empreendimento, a apresentação das unidades disponíveis, o esclarecimento de dúvidas dos clientes, a negociação de condições e valores e a formalização da promessa de compra e venda.

 

A remuneração do corretor de imóveis na incorporação imobiliária, em regra, também se dará por comissão. Esta será calculada sobre o valor do imóvel vendido ou por preço fixo. Poderá ser estipulada em contrato entre a incorporadora e o corretor, entre corretor e comprador ou na própria promessa de compra e venda.

 

 A atuação do corretor de imóveis na incorporação imobiliária é essencial para a viabilização e sucesso do empreendimento. Sua expertise no mercado imobiliário, a habilidade de identificar o perfil e as necessidades dos compradores e a capacidade de negociação são elementos fundamentais para o êxito da venda das unidades e sucesso do empreendimento.

 

7.  A COMISSÃO DE CORRETAGEM NA JURISPRUDÊNCIA

 

Durante muito tempo houve bastante insegurança jurídica no mercado haja vista compradores passarem a sustentar, por meio de ações judicias, a abusividade da obrigação de adimplir com a comissão tendo em vista que o corretor não realizava a aproximação do adquirente com a incorporadora, na hipótese em que este comparecia espontaneamente no stand de vendas da empresa.

 

Ilustrando a situação de atipicidade do corretor de imóveis que atua em stand de lançamentos imobiliários, o eminente Desembargador FRANCISCO CASCONI, em julgado em 19 de março de 2013[9], esclarece:

 

Portanto, diferenciada a atuação típica de corretor de imóveis limitado à intermediação ou aproximação entre o vendedor e o comprador, daquele corretor que atua no lançamento de grandes empreendimentos imobiliários, como no caso em apreço.

 

Nessas hipóteses de grandes empreendimentos, é certo que o interessado comprador não procura o serviço de corretagem, mas apenas comparece ao stand de vendas, normalmente no mesmo lugar onde serão iniciadas as obras, afim de adquirir uma das unidades, ocasião em que é imposto o pagamento da prestação dos serviços prestados por essas empresas contratadas pelo empreendedor, como condição obrigatória para a conclusão do negócio (compra e venda).

 

Evidente, assim, que a cobrança das mencionadas taxas de corretagem e serviços de assessoria é abusiva, violando as regras estabelecidas no Código de Defesa do Consumidor, sobretudo em seu artigo 6º, II e III.

 

Todavia, não demorou para que a questão fosse afetada no Superior Tribunal de Justiça, dando origem ao Tema Repetitivo 938 que julgou válida a cláusula que transfere a responsabilidade do pagamento da corretagem ao comprador, desde que atendidos alguns requisitos:


(i) Incidência da prescrição trienal sobre a pretensão de restituição dos valores pagos a título de comissão de corretagem ou de serviço de assistência técnico-imobiliária (SATI), ou atividade congênere (artigo 206, § 3º, IV, CC). (vide REsp n. 1.551.956/SP)

 

(ii) Validade da cláusula contratual que transfere ao promitente-comprador a obrigação de pagar a comissão de corretagem nos contratos de promessa de compra e venda de unidade autônoma em regime de incorporação imobiliária, desde que previamente informado o preço total da aquisição da unidade autônoma, com o destaque do valor da comissão de corretagem; (vide REsp n. 1.599.511/SP)

 

(ii, parte final) Abusividade da cobrança pelo promitente-vendedor do serviço de assessoria técnico-imobiliária (SATI), ou atividade congênere, vinculado à celebração de promessa de compra e venda de imóvel. (vide REsp n. 1.599.511/SP).

 

Consolidada a jurisprudência pela possibilidade de cobrança das comissões de corretagem na incorporação imobiliária, o Superior Tribunal de Justiça delimitou os critérios que devem ser seguidos para que esta não se revele abusiva. Estes são extraídos do art. 35-A, III, da Lei n.13.786/2018 interpretado conjuntamente com o Tema 938 do STJ:

 

I) Cláusula expressa indicando a existência da intermediação por corretor que viabilizou o resultado útil entre incorporador e adquirente;

II) Identificação do corretor ou imobiliária;

III) Cláusula contratual expressa transferindo a obrigação de pagar ao adquirente;

IV) Segregação do valor da corretagem do preço do imóvel, destacada, e suas formas e condições de pagamento.

 

MARCUS VINÍCIUS MOTTER BORGES[10], esclarece que: “Por fim, é importante previsão no contrato dispondo se ocorrerá, ou não, a restituição dos valores pagos a título de comissão de corretagem em caso de desfazimento contratual, uma vez que o serviço de intermediação foi devidamente prestado pelo corretor de imóveis, exceto no caso do direito de arrependimento previsto no art. 67-A, §§ 10, 11 e 12, da Lei n. 4.591/1964, quando a restituição já é regra normativa”.

 

Com efeito, são duas as possibilidades de cobrança da comissão de corretagem. Na primeira o valor da comissão poderá ser embutido no preço do imóvel, apenas deverá ser destacado do montante total. Nesta hipótese o incorporador será o beneficiário do pagamento e repassará a verba ao corretor ou imobiliária responsável pela venda.

 

Na segunda opção, a corretagem deverá ser adimplida diretamente pelo adquirente ao corretor, desde que tenha cláusula expressa na promessa de compra e venda ou por meio de um instrumento apartado com o valor separado do montante indicado a título de aquisição do imóvel.

 

8. DA NECESSIDADE DO DESTAQUE DO NEGÓCIO JURÍDICO

 

A previsão da corretagem imobiliária no bojo do contrato enseja uma série de problemas no aspecto prático das relações negociais de promessas de compra e venda de imóveis na planta.

 

O primeiro ponto reside na questão do reajuste do preço do imóvel, quando a corretagem está embutida neste, ainda que de maneira destacada conforme preceitua o Tema 938 do STJ. Em regra, a aquisição de imóveis sob o regime da incorporação imobiliária é realizada por meio do parcelamento do preço em prestações, um sinal, parcelas mensais e sucessivas e a quitação do saldo devedor quando da entrega das chaves.

 

Consequentemente, os contratos devem prever além do preço, a forma em que se dará o pagamento, a atualização das prestações e a amortização do saldo devedor, que deverão constar expressamente no quadro-resumo consoante os incisos I a V do art. 35-A da Lei das Incorporações.

 

O primeiro problema reside justamente na questão de atualização do débito. O mercado tem utilizado como prática que compradores realizem o pagamento diretamente à incorporadora, que irá realizar o repasse ao corretor responsável pela venda. Também não é raro, principalmente em hipóteses de imóveis para pessoas de baixa renda, que a corretagem componha o parcelamento juntamente com o preço do bem.

 

Contudo, é característica comum dos contratos de promessa de compra e venda sob o regime da incorporação imobiliária que o reajuste das parcelas se dê por índices setoriais, CUB ou INCC, que levam em consideração os custos com insumos empregados na construção civil, tais como produtos, maquinários, equipamentos e mão-de-obra. No entanto, sua utilização deve ser limitada ao período de edificação do empreendimento, devendo, a partir daí, ser substituído por outro índice.

 

Outra característica deste contrato é o permissivo legal do art. 46 da Lei n. 10.931/2004 que autoriza a aplicação da periodicidade mensal em contratos imobiliários, afastando a regra geral do art. 28, §1º, da Lei n. 9.069/1995, que limita a correção monetária para a periodicidade anual, desde que o pacto tenha prazo superior a 36 meses.

 

Assim, se o valor da comissão de corretagem compõe o preço do bem, ainda que de forma destacada, se submete às mesmas cláusulas contratuais de reajuste, de tal modo que o adquirente que realizar a aquisição do imóvel nestes termos, necessariamente terá o valor da corretagem corrigido monetariamente na periodicidade mensal por índice setorial construtivo, majorando o saldo devedor de forma abusiva, pois o CUB e o INCC têm por fundamento a correção do custo da obra ante a oscilação de preços inerente à construção civil, risco este que inexiste na intermediação imobiliária.

 

Além disso, os efeitos do art. 46 da Lei n. 10.931/2004 acabam implicando, por ricochete, a correção monetária do parcelamento da corretagem na periodicidade mensal, embora a redação do artigo não contemple esta, apenas a comercialização de imóveis, financiamento imobiliário e o arrendamento mercantil de imóveis.

 

Art. 46. Nos contratos de comercialização de imóveis, de financiamento imobiliário em geral e nos de arrendamento mercantil de imóveis, bem como nos títulos e valores mobiliários por eles originados, com prazo mínimo de trinta e seis meses, é admitida estipulação de cláusula de reajuste, com periodicidade mensal, por índices de preços setoriais ou gerais ou pelo índice de remuneração básica dos depósitos de poupança.

 

Embora o Tema 938/STJ faça a exigência de destaque do valor da corretagem, esta ainda compõe preço, e sofrerá a mesma tutela contratual de reajuste fixada para o bem imóvel, pois o precedente vinculante não exige a diferenciação do reajuste do preço do bem e da comissão de corretagem separadamente.

 

Em qualquer contrato de compra de imóvel na planta na qual o valor desembolsado a título de sinal não seja suficiente para amortizar a integralidade do quantum devido a título de corretagem, necessariamente o valor residual devido sofrerá reajuste na periodicidade mensal por índices construtivos, colocando o consumidor em exagerada desvantagem, caracterizando prática abusiva nos precisos termos do art. 51, IV, do Código de Defesa do Consumidor.

 

Por outro lado, o adquirente não possui qualquer garantia que os valores adimplidos serão efetivamente repassados pela incorporadora ao corretor de imóveis que intermediou o negócio, nos valores indicados em contrato. Nos stands de venda de empreendimentos imobiliários não é raro encontrar corretores de imóveis que exercem sua atividade sob o pálio da subordinação, ainda que o art. 722 do Código Civil preceitue que o corretor não deve possuir relação de dependência com uma das partes.

 

Os pagamentos da corretagem são realizados pelo comprador diretamente à incorporadora, que efetua o repasse aos corretores que atuam nos pontos de venda. Em virtude disso, possível que o valor nominal da corretagem expressa em contrato não seja o montante efetivamente repassado ao corretor devido ao fato do comprador não possuir qualquer ingerência sobre a realização do repasse nos termos fixados na promessa de compra e venda.

 

Isso permite que incorporadoras, imbuídas de má-fé, majorem os valores das corretagens em seus contratos com a finalidade de aumentar o valor da multa devida em caso de desistência da aquisição por culpa do comprador, criando um valor fictício de corretagem em contrato, que autorizaria a sua retenção na hipótese de distrato, com fundamento no inciso I do art. 67-A da Lei n. 4.591/1964, resultando em valores perdidos, indevidamente, pelo consumidor.

 

Em caso de ação de rescisão contratual ajuizada por consumidor bastaria a incorporadora apresentar um recibo assinado pelo corretor beneficiário do contrato, cuja relação é de subordinação, com a cifra indicada do pacto para autorizar a retenção e perdimento dos valores, ainda que tenha, de fato, repassado valor inferior, recaindo o ônus ao adquirente de demonstrar a inidoneidade do recibo, o que seria uma prova impossível ou de difícil produção.  

 

Registre-se, por oportuno, que a situação narrada coloca o corretor em uma posição de extrema insegurança jurídica, levando em conta que não possui qualquer garantia de que o incorporador irá realizar o repasse dos pagamentos realizados pelo comprador, e também não poderá demandar contra este, visto que é obrigado a concordar com a forma de pagamento via repasse como critério para contratação e venda das unidades, resultado do vínculo de subordinação que existe na corretagem em incorporação imobiliária.

 

9. CONCLUSÃO

 

A insegurança jurídica que existia sobre a abusividade da cobrança e repasse do pagamento da comissão de corretagem aos adquirentes deixou de existir com a consolidação da questão pelo Tema 938 do Superior Tribunal de Justiça, de tal modo que as incorporadoras, corretores e imobiliárias deverão obedecer aos critérios fixados no art. 35-A, III, da Lei n. 13.786/2018 interpretado conjuntamente com o repetitivo. De todo modo, o pagamento da corretagem deveria se dar diretamente ao corretor por meio de contrato autônomo, garantindo assim a segurança jurídica de todos os envolvidos e mitigando a possibilidade de cobranças abusivas ao comprador.

  

10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BRASIL, Lei n. 4.591/196. Dispõe sobre o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4591.htm. Acesso em 20 mar. 2024.

 

BRASIL, Lei 6.530/1978, de 12 de maio de 1978. Dá nova regulamentação à profissão de Corretor de Imóveis, disciplina o funcionamento de seus órgãos de fiscalização e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6530.htm. Acesso em: 18 mar. 2024.

 

BRASIL, Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2022. Institui o Código Civil. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em 20 mar. 2024.

 

BRASIL, Lei n. 10.931, de 02 de agosto de 2024. Dispõe sobre o patrimônio de afetação de incorporações imobiliárias, Letra de Crédito Imobiliário, Cédula de Crédito Imobiliário, Cédula de Crédito Bancário, altera o Decreto-Lei nº 911, de 1º de outubro de 1969, as Leis nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964, nº 4.728, de 14 de julho de 1965, e nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l10.931.htm. Acesso em 20 mar. 2024.

 

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Agravo 543.601/RS. Relator: Ministro Aldir Passarinho Júnior. Julgado em 09.03.2004.

 

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Agravo 867.805/SP. Relator: Ministro Humberto Gomes de Barros. Julgado em 18.10.2007.

 

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 753.566/RJ. Relatora: Ministra Nancy Andrighi. Julgado em 17.10.2006.

 

BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação Cível 0017331- 06.2011.8.26.0003, 31a Câmara de Direito Privado, Relator: Desembargador Francisco Casconi. Julgado em 19 de março de 2013.

 

BORGES, Marcus Vinícius Motter (org.). Curso de direito imobiliário brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022.

 

BORGES, Marcus Vinícius Motter (org.). Manual dos contratos imobiliários. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2023.

 

CHALHUB, Melhin Namen. Incorporação imobiliária. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022.

 

COLTRO, Antônio Carlos Mathias. Contrato de corretagem imobiliária: doutrina, jurisprudência e regulamentação. 4ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2013.

 

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: contratos. 21ª ed. São Paulo: Atlas, 2021.

 

 Notas de Rodapé:

[1] Direito civil: contratos, p.545

[2] Curso de direito imobiliário brasileiro, p.251

[3] Contrato de corretagem imobiliária, p. 28

[4] Contrato de corretagem imobiliária, p. 32

[5] Direito Civil: contratos, p.546

[6] STJ. AgRg no Ag 543.601/RS. Relator: Ministro Aldir Passarinho Júnior. Julgado em 09.03.2004.

[7] STJ. AgRg no Ag 867.805/SP. Relator: Ministro Humberto Gomes de Barros. Julgado em 18.10.2007 e REsp 753.566/RJ. Relatora: Ministra Nancy Andrighi. Julgado em 17.10.2006.

[8] Incorporação imobiliária, p. 1

[9] TJSP. Apelação Cível n° 0017331- 06.2011.8.26.0003, 31a Câmara de Direito Privado, Relator: Desembargador FRANCISCO CASCONI, julgado em 19 de março de 2013.

[10] Manual dos contratos imobiliários, p.117

 
 
 

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